quarta-feira, 29 de junho de 2011

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Artigos do prof. LFG

União homoafetiva e insubordinação judicial

LUIZ FLÁVIO GOMES*
Áurea Maria Ferraz de Sousa**

Na última semana tomamos conhecimento de uma decisão oriunda da justiça goiana, cancelando contrato de união estável de um casal homossexual, mesmo diante da decisão do STF nas ADI 4277 e ADPF 132.

A decisão do STF reconheceu o direito aos casais homossexuais à união estável; a Suprema Corte deu interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. A decisão prolatada em 04.05.11 tem eficácia erga omnes e efeito vinculante, ou seja, os termos da decisão devem ser obedecidos por todos e de maneira obrigatória.


Contrariando o posicionamento fixado pelo STF, no entanto, o juiz Jerônymo Pedro Villas Boas (Goiânia), anulou união estável de um casal homossexual, ao argumento de que a Corte não tem competência para alterar normas da Constituição Federal. O posicionamento do juiz tem fundamento na letra expressa da Constituição Federal que dispõe no § 3º do art. 226: para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

De acordo com informações do UOL Notícias, o juiz teria afirmado que “a decisão do STF ultrapassou os limites e é ilegítima e inconstitucional”.

O juiz goiano não foi o único que “discordou” da decisão do STF. Dentre os muitos manifestos contrários aos termos da decisão do STF, Willian Douglas assim se posicionou no texto “Dois surdos: os religiosos e o movimento gay”: O STF deve proteger as minorias, mas não tem legitimidade para ir além da Constituição e profanar a vontade da maioria conforme cristalizada na Constituição. O que houve está muito perto de criar, pelas mãos do STF, uma ditadura das minorias, ou uma ditadura de juízes. O STF é o último intérprete da Constituição, e não o último a maculá-la. Ou talvez o primeiro, se não abdicar de ignorar que algumas coisas só os representantes eleitos podem fazer.

Conforme já nos manifestamos em “União homoafetiva, caso Battisti e marcha da maconha”, somos todos ser humanos com pré-compreensões diferentes, mas o importante é que nossa Suprema Corte, que não foge da regra, vai conformando o Direito (vai dando os contornos do direito “vivente”), de acordo com sua visão do mundo (sua predominante ideologia).

No caso do juiz goiano, no entanto, não se pode deixar de destacar sua “insubordinação funcional”. Ao desobedecer decisão (vinculante) da mais alta Corte nacional corre o risco de agora sofrer processo disciplinar. Isso porque a corregedora do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), Beatriz Figueiredo Franco, além de cassar sua decisão, ainda levará o caso para a Corte Especial do tribunal, que irá decidir sobre a instauração do processo disciplinar.

Da mesma forma como a Lei Maior é expressa em mencionar que a união estável há de ser entre homem e mulher, também é expressa em fixar que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário (art. 102, §2º, CF/88). De outro lado, muitos outros princípios constitucionais amparar a decisão do STF, a começar pelos da dignidade da pessoa humana, da impossibilidade de se discriminar pessoas etc.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

**Áurea Maria Ferraz de Sousa – Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

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